terça-feira, 26 de abril de 2011

O ÉDIPO COMO COMPLEXO


Édipo resolve o problema enigma da esfinge (1808), Ingres


O pai assume um lugar central na psicanálise de Freud, o que é representado por dois mitos em destaque na sua obra. O primeiro deles refere-se à tragédia de Sófocles, Édipo Rei, a história da família maldita dos Labdácidas; e o segundo refere-se ao mito da refeição do pai totêmico.
Eis, em primeira análise, o mito e a tragédia de Édipo. Na seqüência algumas considerações a respeito de Totem e Tabu (Freud, 1912-1913/1976).
Veja-se, a priori , uma das versões de Édipo Rei[1].
Advertido pelo oráculo de que não devia gerar descendência e de que caso desobedecesse teria um filho que o mataria e dormiria com a mãe, Laio manteve com Jocasta relações sodomitas (ou, em algumas versões, Laio se abstém de qualquer relação com Jocasta). “Rei de Tebas de belos cabelos, lhe dissera o deus, evita inseminar, a despeito dos deuses, o sulco feminino. Se procriares um filho, essa criança te matará e tua casa inteira mergulhará no sangue.” Mas uma noite, incapaz de resistir, penetrou sua esposa do “lado bom” e lhe plantou um filho nos flancos. Ao nascer, este foi condenado a ser exposto no monte Citeron para ali morrer. O pastor a quem foi confiado, e que devia realizar essa tarefa, lhe passou uma corda em torno do tornozelo a fim de suspendê-lo. (Em algumas versões é o próprio Laio que fura os pés do infans.) Porém, em lugar de abandoná-lo, confio-o a um criado de Pólibo, rei de Corinto, cuja mulher, Merope, era estéril. Apelidado Édipo em razão de seu pé inchado, o filho de Laio foi educado como um príncipe por aqueles a quem tomava como pais, que lhe haviam feito o herdeiro do reino. Em seu corpo conservava sem saber a marca da dinastia claudicante dos Labdácidas. Na idade adulta, confrontando um dia com o rumor de sua origem duvidosa, decidiu se dirigir a Delfos para consultar o oráculo, o qual repetiu sua predição. Édipo quis, então, afastar de si a maldição. Não voltou a Corinto, dirigindo-se para Tebas no exato momento em que esta cidade era atingida por múltiplos flagelos. Na encruzilhada dos três caminhos, encontrou-se com Laio e sua comitiva, eles se dirigiam a Delfos a fim de interrogar o oráculo sobre o desastre que se abatia sobre seu reino. Como a passagem era demasiado estreita para ser atravessada pelos dois viajantes, houve uma discussão. Édipo matou Laio e prosseguiu seu caminho rumo a Tebas, enquanto um sobrevivente da comitiva deste último anunciava  na cidade a notícia da morte do rei, Creonte, irmão de Jocasta, originário da linhagem de Cadmo, subiu então ao trono. Condenado a não reinar senão de forma oblíqua, ao cabo de uma série de anomalias, e sem nunca conseguir transmitir o poder à sua descendência, também ele era marcado por um destino claudicante. Rei efêmero, ofereceu publicamente o leito da rainha àquele que resolvesse o enigma da “virgem sutil” (a Esfinge, como é chamada por Eurípides).
Meio-homem, meio-animal, ao mesmo tempo macho e fêmea, a Esfinge (ou o Esfinge) guardava a entrada da cidade ao mesmo tempo em que entoava profecias. Assim que avistava um viajante, propunha-lhe resolver um enigma que era próprio da condição humana, e portanto da condição trágica de Édipo, o herói, já assassino de seu pai sem saber: “Existe sobre a terra um ser com dois, três e quatro pés, cuja voz é única. Só ele muda sua natureza entre aqueles que se movem sobre o solo, no ar e no mar. Mas é se apoiando, sobre mais pés que seus membros possuem menos vigor.”
“É o homem que tu falas, responde Édipo; pequenino, quando se arrasta pelo chão ao sair do seio da mãe, tem primeiro quatro pés. Já velho, apóia-se sobre um bastão, terceiro pé, dorso curvado sob o fardo da idade.”
Aniquilada pelo poder de  Édipo, a Esfinge desapareceu nas trevas e Tebas pôde renascer. Creonte abandonou o trono e deu Jocasta em casamento ao herói, que não desejava nem amava a rainha, mas se viu obrigado a esposá-la como um presente, como uma recompensa oferecida por uma cidade libertada, graças a ele, do flagelo da profetisa: “Esfinge e rainha, escreve Jean Bollack, simbolizam a cidade, uma em sua ruptura, outra em sua plenitude”. Com Jocasta, Édipo restaura a unidade de Tebas. Sem o saber, cometeu o incesto após o parricídio de pois substituiu Laio no ato de geração e de procriação. (Roudinesco, 2002/2003, p.p. 51-53)
A história se desenvolve até esse ponto: Édipo atinge a glória como Rei e tem quatro filhos com Jocasta (Etéocle, Polinice, Antígona e Ismene). A peste, então, se abate sobre Tebas ao que o oráculo de Delfos, diz a Creonte, ser conseqüência da morte de Laio. O próprio Édipo, em busca do assassino de Laio, descobre toda trama, cegando-se antes de se tornar um mendigo, conforme prevera o sábio Tirésias.
Freud foi decisivamente influenciado por essa tragédia, assim como, em menor proporção, pelo Hamlet de Shakespeare e pelos irmãos Karamazov, de Dostoïeveski, para tentar compreender o que em princípio chamou de complexo nuclear das neuroses, a partir das análises das histéricas. No rascunho N da Carta 64, a Fliess, Freud (1897/1976) narra um sonho que teve com sua filha, a partir do qual pode detectar o pai como produtor das neuroses. Na Carta 69, da mesma correspondência, Freud propõe uma reformulação significativa na sua obra, que é a passagem da teoria da sedução (trauma) para a teoria das fantasias, mudança essa eivada de sua visão sobre um complexo parental. Mas, é na carta 71 que Freud faz uma referência expressa ao mito de Édipo e revela a Fliess o seguinte: Muito fácil não é. Ser completamente sincero consigo mesmo é um bom exercício. Um único pensamento de validade universal me tem sido dado. Também em mim tenho achado o desejo pela mãe e o ciúme pelo pai e agora considero isso um sucesso universal da infância. Desde então o Édipo assume seu caráter universal para a psicanálise freudiana, o que é motivo de crítica, sobretudo entre antropólogos, historiadores e sociólogos.     
O termo Complexo de Édipo só é assim designado num texto de 1910: “Sobre um tipo especial de escolha de objeto no homem” e é referido especificamente em 1924, em “A dissolução do Complexo de Édipo”.
O Édipo como Complexo é designado como o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do  complexo de Édipo. (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 77)
O apogeu do complexo de Édipo está situado entre os três e cinco anos, na chamada fase fálica[2]. A dissolução, marca a entrada do indivíduo no período de latência[3], o que corresponde à incidência do recalque sobre o material da infância, provocando a amnésia infantil. Essa fase marca também a predominância do complexo de castração.
A castração como complexo é um conceito co-extensivo da noção de Édipo. Freud (1905/1976) o estudou de forma sistemática na análise que fez da fobia de cavalos de um menino de 5 anos, o Caso Hans, no qual pode estabelecer relações da castração com a vivência edípica da proibição do incesto, da interdição da mãe pelo pai.
O complexo de castração é dissimétrico entre meninos e meninas (Lacan, 1956-1957/1995)[4]. No menino a saída do  complexo de Édipo ocorre pelo horror à castração. Esse supõe que pelo seu desejo, endereçado à mãe, vão lhe cortar o pênis, sendo o pai o agente castrador. Enquanto que para a menina é pela inveja do pênis, pelo horror à castração da mãe e do seu próprio sexo que ela entra no Édipo.
O complexo de castração é construído por Freud (1924/1976) através da primazia do falo que é uma premissa básica da teoria sexual infantil, é essa noção que dará sentido à diferença anatômica entre os sexos e à futura organização do destino dos sujeitos em posições sexuadas femininas e masculinas.
A castração enquanto Lei que interdita a mãe ao filho, operação feita pelo pai enquanto função tem um grande foco da teoria de Jacques Lacan. Essa noção de Lei da castração adveio de Totem e Tabu (Freud, 1912-1913/1976), que novamente coloca o pai no centro da problemática do sujeito.
A seguir há um resumo e considerações sobre esse texto freudiano.


[1] Roudinesco, E. (2003) A família em desordem. Trad. André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Trabalho original publicado em 2002) 
[2] As fases do desenvolvimento psicossexual são designadas por Freud não como estágios estanques, cronologicamente, e evolutivos, mas de investimento pulsional. São elas: fase oral, fase anal-sádica, fase fálica e fase genital.   
[3] O período ou tempo de latência é um momento que vai do declínio da sexualidade infantil (entre 5 e 6anos) até o início da puberdade, e que marca uma pausa na evolução da sexualidade. (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 263)   
[4] LACAN, J. (1995) O seminário, livro 4: a relação de objeto. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (Trabalho original de 1956- 1957).

por Patrícia Pinheiro , 27/04/2007


O Nome-do-Pai em TOTEM E TABU

Freud, S (1996). Totem e tabu. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, vol XIII (Trabalho original publicado em 1913[1912])

EM NOME DO PAI
O totem nada mais é que o representante do pai ( p. 176)

O sacrifício de Isaac por Marc Chagall, 1966

O sistema totêmico dos aborígines australianos é a referência utilizada por Freud para estabelecer uma relação entre a psicologia dos neuróticos e a psicologia dos povos primitivos. O totem normalmente é um animal inofensivo e comestível que mantém uma relação peculiar com todo o clã totêmico (p.21). Esse animal representa o clã, que o venera, resgardando-o da morte e homenageando-o em festas tribais, nas quais muitos se vestem tal e qual esse símbolo totêmico. Há entre os membros do clã uma forte ligação que os unem em detrimento dos laços sanguíneos. É assim que se observa o horror ao incesto, expresso pela exogamia totêmica, que é a proibição relativa aos membros do clã de manterem relações sexuais entre si. Eis as duas leis básicas do totemismo, ou seja, seus dois tabus são: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto, ao que Freud enuncia como os mais antigos e poderosos dos desejos humanos (p. 52). Quanto aos desejos incestuosos, Freud os indica como uma característica infantil, representada no complexo nuclear das neuroses, o que mais adiante no texto, ao falar do Caso Hans, e ao longo de sua obra, ele vai denominar de Complexo de Édipo.  Ainda neste texto Freud denomina de complexo-pai uma ambivalência muito grande em relação ao primeiro tabu, qual seja a que se relaciona à refeição totêmica e às suas origens. É que na horda primitiva, descrita por Darwin, o animal totêmico a quem era proibido matar, em algumas celebrações era traçado numa refeição totêmica de incorporação, cujo desfecho é um ritual de luto, lamentação e pranto pelo animal morto. Mas de onde viria essa expiação e culpa por devorar, em uma cerimônia tribal, o animal totêmico?
Para além do totem: a função do nome próprio[1]
A partir da análise do sistema totêmico, particularmente dos estudos de William Robertson Smith[2], da reunião da interpretação psicanalítica do totem  com a refeição totêmica  e com as teorias darwinianas do estado primitivo da sociedade humana, Freud propôs uma hipótese fantástica  das origens da celebração da refeição totêmica. Eis: o assassinato do pai violento e ciumento da horda primitiva, que possuía todas as mulheres, expulsando os filhos à medida que cresciam. O pai primevo era temido e invejado por esses filhos, que retornam juntos à horda, de onde foram expulsos, com o objetivo de assassinar o pai e devorá-lo, num banquete totêmico. A culpa pelo assassinato do pai amado e odiado leva ao arrependimento e a uma dívida para com o pai. O pai morto tornou-se mais forte do que fora vivo ( p. 171). O que até então era interditado pela existência real do pai passa a ser proibido pelos próprios filhos, a partir de um pacto entre eles. Com o mito da horda primitiva Freud lança luz acerca das neuroses ao estabelecer um elo entre Lei e desejo. A Lei vem coibir dois tabus, dois desejos cruciais para toda humanidade: assassinato do pai e incesto, sobretudo com a mãe. Essa Lei é referendada por Lacan (1957-1958/1999)[3] como o Nome-do-Pai ou função paterna.  Quando Freud anuncia o totem como representante do pai, ele estabelece aquilo que Lacan começa a definir como o pai enquanto função. Para assim o fazê-lo Lacan (1963/2005)[4] estabelece a noção do sujeito anterior à questão. Diz: miticamente – e é o que quer dizer mítica mente – o pai só pode ser um animal. O pai primordial é o pai anterior ao interdito do incesto, anterior ao surgimento da Lei, da ordem das estruturas da aliança e do parentesco, em suma, anterior ao surgimento da cultura. Eis porque Freud faz dele o chefe da horda, cuja satisfação, de acordo com o mito animal, é irrefreável (idem, p. 73).  Segundo Freud, o sistema totêmico foi, por assim dizer, um pacto com o pai, no qual este lhe prometia tudo o que uma imaginação infantil pode esperar de um pai – proteção, cuidado e indulgência – enquanto que, por seu lado, comprometiam-se lhe respeitar a vida, isto é, não repetir o ato que causara a destruição do pai real (p.173). Os membros do clã reforçam assim os laços de identidade entre eles. O pai é, portanto, a expressão de uma falta (o pai morto) e é esta falta que instaura a cultura, a moralidade e a religião. É por isso que Lacan (1957-1958/1999)[5] fala em Nome-do-Pai, um significante, um nome para um vazio, uma falta. O pai, assim, não tem nome próprio, é antes uma função de ligar, por exemplo, significante e significado, Lei e desejo[6]. O Nome-do-Pai barra o acesso ao gozo absoluto e institui uma lei: a lei da interdição do incesto. A dívida para com o pai será, então, honrada mediante o culto rendido à instituição simbólica da proibição do incesto e será transmitida de geração em geração. Ou seja, o que deverá ser transmitido é a lei do desejo, da interdição do incesto e da castração, o que para os sujeitos neuróticos se faz através da trajetória edípica, que lhes possibilita encontrar seu lugar na partilha dos sexos e na ordem geracional. Freud questiona: quais são as maneiras e meios empregados por determinada geração para transmitir seus estados mentais à geração seguinte? ( p.187), para em seguida citar Goethe: Aquilo que herdaste de teus pais conquista-o para fazê-lo teu ( p. 188). Mas não só em Totem e Tabu, como em toda extensão da obra freudiana, as versões do pai indicam que sua função está sempre ligada à noção de lei e à transmissão dessa lei para as gerações vindouras.


[1] Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  
[2] Físico e filósofo, crítico da Bíblia e arqueólogo, falecido em 1894  (Freud,1913/1976, p. 160).
[3] Lacan, J. (1999) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (trabalho original de 1957/1958).
[4] Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  

[5] Lacan, J. (1999) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (trabalho original de 1957/1958).
 
[6] O pai como função de acordo com Jacques-Alain Miller, 2005, na contra-capa de Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  


por Patrícia Pinheiro

quarta-feira, 13 de abril de 2011

REALENGO: A ARMA QUE PORTA O LOUCO...

Impressiona-me que a partir da tragédia em Realengo se fale com maior ênfase sobre o desarmamento do que sobre Sáude Mental. Seria por uma questão de ignorância ou por esse item das políticas públicas não ser tão rentável para a mídia e para o Governo, quanto é o tema da Segurança Pública?
No episódio e suas consequências, os mais requisistados são os aspectos superficiais, aqueles que rendem mais ibope aos meios de comunicação e aos planos estatais mais eleitoreiros. Assim, os debates da mídia voltam-se para a dupla: o desarmamento e o perfil desquilibrado do assassino cruel.  Sobre essas pautas há enquetes nas rádios, matérias em profusão na TV e na internet.
O tema da saúde mental sobre o assunto fica restrito à exibição do executor, a entrevistas com psiquiatras, para se constatar a doença mental daquele, e a medidas terapêuticas com vítimas, familiares e a escola. Sobre o assassino, suas cartas e motivos são expostos de maneira controversa. Quanto aos pareceres de especialistas, embora possam ter alguma pertinência, são deslocados da pessoa em questão. As medidas curativas, aos que sofrem pela estupidez do ato, são imprescindíveis. Mas tudo isso tem um lugar de coadjuvante.O papel principal é o da Segurança Pública, e consequentemente o tema central torna-se o desarmamento.
O autor do crime é, ao que nos parece, alguém muito adoecido em sua estrutura, possivelmente, psicótica, um louco, enfim. No entanto, a questão maior que se estabelece, é que essa pessoa estava portando uma arma. A arma que porta o louco vem primeiro do que o louco que porta a arma. Portanto  o problema que o Estado acolhe, em primeiro lugar, torna-se de Segurança Pública e en passant de Saúde Mental.  
O desarmamento deve ser comentado nesse caso, mas não em detrimento de uma questão GRITANTE. Há reflexos contundentes para o silêncio, quase total, do governo em relação a práticas públicas, no âmbito da Saúde Mental, no Brasil. Esse caso fala em nome desse silêncio. A Saúde Mental não pode ficar em Realengo. Isto é, como diz o significado da palavra realengo: no desamparo, ao "deus-dará".   
Nesses tempos de "tropa de elite" há uma necessidade imensa de condecorar policiais heróis. Ótimo que eles estavam em Realengo para coibir as ações do louco! Mas quase ninguém parece interessado em saber mais e em fazer mais pelo loucura no Brasil.  É mais fácil exibir o assassino como um monstro, e o louco fica assim com essa cara "global"! 

Numa tentativa de encará-lo de outra forma, relembro que  Michel Foucault comenta longamente a relação entre saúde mental e medidas punitivas, no âmbito jurídico, como a pena de morte, no Caso Pierre Rivière. O psiquiatra Jacques  Marie Émile Lacan torna-se o psicanalista Jacques Lacan ao escrever sua tese sobre a psicose, a partir de um ato criminoso de "Aimée". Lacan também se interessa pela loucura a partir de um outro caso judiciário, o crime cometido pelas Irmãs Papin.
Penso agora que nem Pierre Rivière, nem Aimée, tampouco as Irmãs Papin portavam arma de fogo quando cometeram crimes hediondos, invocando a Sociologia e a Psicanálise a produzirem estudos fundamentais sobre a psicose e a saúde mental...

por Patrícia Pinheiro

domingo, 10 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A MONTAGEM DA FANTASIA NA RELAÇAO MÃE-BEBÊ - PARTE 1


  ($   a )
A imagem acima grafada é o  matema da fantasia, o qual se lê: Sujeito barrado, desejo (ou punção) de a.
Vamos tentar montar esse matema na relação de uma mulher com seu bebê, entendendo essa mulher enquanto sujeito estruturado na neurose, sendo, assim, sujeito barrrado: $.
  
Por sabermos que há controvérsias quanto ao fato de uma mulher querer ou não engravidar, tomaremos, como exemplo, a situação em que esse querer é afirmativo. [Questionamos se esse querer afirmativo poderia ser a BEJAHUNG, a afirmação primordial da constituição do sujeito, o que será visto a posteriori.]  
(1) A GRAVIDEZ[1] - Em busca do objeto causa do desejo - $ ... (a)
Uma mulher quer engravidar. Em termos do inconsciente, ela seria um sujeito a quem falta algo - $ - e a gravidez seria uma procura por esse “algo”: (a), que a completaria.
Essa mulher, enquanto sujeito da falta ou sujeito barrado (representado pelo símbolo $), vê no resultado da gravidez: O Bebê, o objeto (a) que lhe resolveria a falta. O Bebê ficaria, portanto, no lugar da causa do seu desejo – de objeto a – que nessa situação é a de engravidar para ter um filho, o que lhe tornaria completa ou não faltosa. “Sinto-me plena!” Dizem algumas mulheres ao exibirem suas barrigas durante a gravidez.
Uma mulher – como sujeito da falta: $ - para se sentir completa, engravida, na tentativa de colocar “algo” (a) no lugar da falta/do desejo: O Bebê que vai nacer, objeto a. A gravidez, então, seria o artifício necessário, inventado pelo sujeito, para conseguir formatar o objeto causa de seu desejo. Representemos assim:
$ ... (a)

$ - sujeito da falta, e portanto do desejo.
...   -  A GRAVIDEZ – o tempo de espera: os nove meses

(a) – o feto, o bebê dentro da barriga ( ), que se pode sentir e ver através do Ultra som
** Destaquemos que os símbolos:   ... (reticências) e ( ) os parêntesis que envolvem o a, não são utilizados por Lacan, mas foram aqui estabelecidos numa tentativa de compreensão maior da montagem da fantasia, na situação em questão. 
____________________________
(2) O NASCIMENTO DA CRIANÇA – A operação de ALIENAÇÃO (Λ [1]) -  $ Λ a
Além de ser o $, o sujeito barrado/faltoso, é a mãe (ou quem faz a função materna) quem primeiro encarna o lugar do Outro (da linguagem). O que significa que há na mãe uma inscrição da criança, o que foi feito pelo desejo dessa mãe, sendo expresso através do querer ter um filho.
O bebê aparece como assujeitado a esse desejo materno. Assujeito, é assim que Lacan (Sem 5) designa esse sujeito a vir, que é a criança colocada, na montagem da fantasia materna, no lugar de objeto a. Poderíamos dizer, a partir de Lacan, agora no Seminário 16, que é “em fôrma” de a que aparece esse sujeito a vir, que é o bebê para sua mãe.  
·         Vejamos como isso pode começar a aparecer.
Com O Bebê em seus braços a mãe[2] lhe dá o seio[3] ou a mamadeira, que encarna o objeto de necessidade da criança, como também de demanda e de desejo, pois estão em jogo as questões tanto da alimentação quanto do afeto, ambos relacionados à manutenção da vida e à constituição subjetiva da criança. Em troca do seio – do leite + o afeto – o bebê dá, à sua mãe, as fezes (outro tipo de objeto a), que seria o que ele fabrica, o produto daquilo que ele recebe do Outro materno. Com isso, o bebê vai confirmando seu lugar de causa de desejo (a) na montagem da fantasia materna. Vai, assim, alienando-se ao desejo do Outro, entregando a este tudo o que supõe sanar a falta desse Outro materno, que é um sujeito faltoso ($).   
O Outro materno e Bebê estão (con)juntos (Λ) porque o bebê encontra-se alienado no desejo da mãe. Eis a operação subjetiva que surge com o nascimento da criança: a de ALIENAÇÃO, representada pelo símbolo matemático da conjunção: Λ.   Conceituada por Lacan (Sem 11) como fundamental para constituição do sujeito.
Representemos:
$ Λ a
$ - 0 sujeito da falta, e portanto do desejo.
Λ - operação de Alienação (representada pelo símbolo de conjunção)
a – objeto causa de desejo


[1] Lacan (Sem 11, Lição XVI ) Representa a Alienação com sendo a parte inferior (V) do losango (◊), pertencente ao matema da fantasia ( $ ◊ a) . Mas, aqui, estamos propondo que se o símbolo tomado da matemática é a conjunção(Λ) , que se represente a alienação como tal, portanto, como sendo a parte superior (Λ) do losango (◊) .
[2] Ou quem faz a função materna nesse momento.
[3] O seio ou mamadeira é um dos objetos a para a criança.
Referências:
                     I.            LACAN, J. (1968-1969/2008) O seminário Livro 16: de um Outro ao Outro. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
                    II.            LACAN, J. (1964/1998) O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.. 
                  III.            LACAN, J. (1957-1958/1999) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.


Patrícia Pinheiro (psicanalista) – 06 de abril de 2011. (A partir da discussão do Grupo de Estudos sobre o TADH como sintoma da criança, em 31.03.2011)
           






[1] Há momentos anteriores à gravidez que são fundamentais para a constituição subjetiva da criança em jogo, aquela que vai nascer. Esse tempo antes do nascimento da criança, não do sujeito, serão comentados em breve postagem. 
[2] Ou quem faz a função materna nesse momento.
[3] O seio ou mamadeira é um dos objetos a para a criança.