terça-feira, 26 de abril de 2011

O ÉDIPO COMO COMPLEXO


Édipo resolve o problema enigma da esfinge (1808), Ingres


O pai assume um lugar central na psicanálise de Freud, o que é representado por dois mitos em destaque na sua obra. O primeiro deles refere-se à tragédia de Sófocles, Édipo Rei, a história da família maldita dos Labdácidas; e o segundo refere-se ao mito da refeição do pai totêmico.
Eis, em primeira análise, o mito e a tragédia de Édipo. Na seqüência algumas considerações a respeito de Totem e Tabu (Freud, 1912-1913/1976).
Veja-se, a priori , uma das versões de Édipo Rei[1].
Advertido pelo oráculo de que não devia gerar descendência e de que caso desobedecesse teria um filho que o mataria e dormiria com a mãe, Laio manteve com Jocasta relações sodomitas (ou, em algumas versões, Laio se abstém de qualquer relação com Jocasta). “Rei de Tebas de belos cabelos, lhe dissera o deus, evita inseminar, a despeito dos deuses, o sulco feminino. Se procriares um filho, essa criança te matará e tua casa inteira mergulhará no sangue.” Mas uma noite, incapaz de resistir, penetrou sua esposa do “lado bom” e lhe plantou um filho nos flancos. Ao nascer, este foi condenado a ser exposto no monte Citeron para ali morrer. O pastor a quem foi confiado, e que devia realizar essa tarefa, lhe passou uma corda em torno do tornozelo a fim de suspendê-lo. (Em algumas versões é o próprio Laio que fura os pés do infans.) Porém, em lugar de abandoná-lo, confio-o a um criado de Pólibo, rei de Corinto, cuja mulher, Merope, era estéril. Apelidado Édipo em razão de seu pé inchado, o filho de Laio foi educado como um príncipe por aqueles a quem tomava como pais, que lhe haviam feito o herdeiro do reino. Em seu corpo conservava sem saber a marca da dinastia claudicante dos Labdácidas. Na idade adulta, confrontando um dia com o rumor de sua origem duvidosa, decidiu se dirigir a Delfos para consultar o oráculo, o qual repetiu sua predição. Édipo quis, então, afastar de si a maldição. Não voltou a Corinto, dirigindo-se para Tebas no exato momento em que esta cidade era atingida por múltiplos flagelos. Na encruzilhada dos três caminhos, encontrou-se com Laio e sua comitiva, eles se dirigiam a Delfos a fim de interrogar o oráculo sobre o desastre que se abatia sobre seu reino. Como a passagem era demasiado estreita para ser atravessada pelos dois viajantes, houve uma discussão. Édipo matou Laio e prosseguiu seu caminho rumo a Tebas, enquanto um sobrevivente da comitiva deste último anunciava  na cidade a notícia da morte do rei, Creonte, irmão de Jocasta, originário da linhagem de Cadmo, subiu então ao trono. Condenado a não reinar senão de forma oblíqua, ao cabo de uma série de anomalias, e sem nunca conseguir transmitir o poder à sua descendência, também ele era marcado por um destino claudicante. Rei efêmero, ofereceu publicamente o leito da rainha àquele que resolvesse o enigma da “virgem sutil” (a Esfinge, como é chamada por Eurípides).
Meio-homem, meio-animal, ao mesmo tempo macho e fêmea, a Esfinge (ou o Esfinge) guardava a entrada da cidade ao mesmo tempo em que entoava profecias. Assim que avistava um viajante, propunha-lhe resolver um enigma que era próprio da condição humana, e portanto da condição trágica de Édipo, o herói, já assassino de seu pai sem saber: “Existe sobre a terra um ser com dois, três e quatro pés, cuja voz é única. Só ele muda sua natureza entre aqueles que se movem sobre o solo, no ar e no mar. Mas é se apoiando, sobre mais pés que seus membros possuem menos vigor.”
“É o homem que tu falas, responde Édipo; pequenino, quando se arrasta pelo chão ao sair do seio da mãe, tem primeiro quatro pés. Já velho, apóia-se sobre um bastão, terceiro pé, dorso curvado sob o fardo da idade.”
Aniquilada pelo poder de  Édipo, a Esfinge desapareceu nas trevas e Tebas pôde renascer. Creonte abandonou o trono e deu Jocasta em casamento ao herói, que não desejava nem amava a rainha, mas se viu obrigado a esposá-la como um presente, como uma recompensa oferecida por uma cidade libertada, graças a ele, do flagelo da profetisa: “Esfinge e rainha, escreve Jean Bollack, simbolizam a cidade, uma em sua ruptura, outra em sua plenitude”. Com Jocasta, Édipo restaura a unidade de Tebas. Sem o saber, cometeu o incesto após o parricídio de pois substituiu Laio no ato de geração e de procriação. (Roudinesco, 2002/2003, p.p. 51-53)
A história se desenvolve até esse ponto: Édipo atinge a glória como Rei e tem quatro filhos com Jocasta (Etéocle, Polinice, Antígona e Ismene). A peste, então, se abate sobre Tebas ao que o oráculo de Delfos, diz a Creonte, ser conseqüência da morte de Laio. O próprio Édipo, em busca do assassino de Laio, descobre toda trama, cegando-se antes de se tornar um mendigo, conforme prevera o sábio Tirésias.
Freud foi decisivamente influenciado por essa tragédia, assim como, em menor proporção, pelo Hamlet de Shakespeare e pelos irmãos Karamazov, de Dostoïeveski, para tentar compreender o que em princípio chamou de complexo nuclear das neuroses, a partir das análises das histéricas. No rascunho N da Carta 64, a Fliess, Freud (1897/1976) narra um sonho que teve com sua filha, a partir do qual pode detectar o pai como produtor das neuroses. Na Carta 69, da mesma correspondência, Freud propõe uma reformulação significativa na sua obra, que é a passagem da teoria da sedução (trauma) para a teoria das fantasias, mudança essa eivada de sua visão sobre um complexo parental. Mas, é na carta 71 que Freud faz uma referência expressa ao mito de Édipo e revela a Fliess o seguinte: Muito fácil não é. Ser completamente sincero consigo mesmo é um bom exercício. Um único pensamento de validade universal me tem sido dado. Também em mim tenho achado o desejo pela mãe e o ciúme pelo pai e agora considero isso um sucesso universal da infância. Desde então o Édipo assume seu caráter universal para a psicanálise freudiana, o que é motivo de crítica, sobretudo entre antropólogos, historiadores e sociólogos.     
O termo Complexo de Édipo só é assim designado num texto de 1910: “Sobre um tipo especial de escolha de objeto no homem” e é referido especificamente em 1924, em “A dissolução do Complexo de Édipo”.
O Édipo como Complexo é designado como o conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do  complexo de Édipo. (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 77)
O apogeu do complexo de Édipo está situado entre os três e cinco anos, na chamada fase fálica[2]. A dissolução, marca a entrada do indivíduo no período de latência[3], o que corresponde à incidência do recalque sobre o material da infância, provocando a amnésia infantil. Essa fase marca também a predominância do complexo de castração.
A castração como complexo é um conceito co-extensivo da noção de Édipo. Freud (1905/1976) o estudou de forma sistemática na análise que fez da fobia de cavalos de um menino de 5 anos, o Caso Hans, no qual pode estabelecer relações da castração com a vivência edípica da proibição do incesto, da interdição da mãe pelo pai.
O complexo de castração é dissimétrico entre meninos e meninas (Lacan, 1956-1957/1995)[4]. No menino a saída do  complexo de Édipo ocorre pelo horror à castração. Esse supõe que pelo seu desejo, endereçado à mãe, vão lhe cortar o pênis, sendo o pai o agente castrador. Enquanto que para a menina é pela inveja do pênis, pelo horror à castração da mãe e do seu próprio sexo que ela entra no Édipo.
O complexo de castração é construído por Freud (1924/1976) através da primazia do falo que é uma premissa básica da teoria sexual infantil, é essa noção que dará sentido à diferença anatômica entre os sexos e à futura organização do destino dos sujeitos em posições sexuadas femininas e masculinas.
A castração enquanto Lei que interdita a mãe ao filho, operação feita pelo pai enquanto função tem um grande foco da teoria de Jacques Lacan. Essa noção de Lei da castração adveio de Totem e Tabu (Freud, 1912-1913/1976), que novamente coloca o pai no centro da problemática do sujeito.
A seguir há um resumo e considerações sobre esse texto freudiano.


[1] Roudinesco, E. (2003) A família em desordem. Trad. André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Trabalho original publicado em 2002) 
[2] As fases do desenvolvimento psicossexual são designadas por Freud não como estágios estanques, cronologicamente, e evolutivos, mas de investimento pulsional. São elas: fase oral, fase anal-sádica, fase fálica e fase genital.   
[3] O período ou tempo de latência é um momento que vai do declínio da sexualidade infantil (entre 5 e 6anos) até o início da puberdade, e que marca uma pausa na evolução da sexualidade. (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 263)   
[4] LACAN, J. (1995) O seminário, livro 4: a relação de objeto. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (Trabalho original de 1956- 1957).

por Patrícia Pinheiro , 27/04/2007


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