quarta-feira, 13 de abril de 2011

REALENGO: A ARMA QUE PORTA O LOUCO...

Impressiona-me que a partir da tragédia em Realengo se fale com maior ênfase sobre o desarmamento do que sobre Sáude Mental. Seria por uma questão de ignorância ou por esse item das políticas públicas não ser tão rentável para a mídia e para o Governo, quanto é o tema da Segurança Pública?
No episódio e suas consequências, os mais requisistados são os aspectos superficiais, aqueles que rendem mais ibope aos meios de comunicação e aos planos estatais mais eleitoreiros. Assim, os debates da mídia voltam-se para a dupla: o desarmamento e o perfil desquilibrado do assassino cruel.  Sobre essas pautas há enquetes nas rádios, matérias em profusão na TV e na internet.
O tema da saúde mental sobre o assunto fica restrito à exibição do executor, a entrevistas com psiquiatras, para se constatar a doença mental daquele, e a medidas terapêuticas com vítimas, familiares e a escola. Sobre o assassino, suas cartas e motivos são expostos de maneira controversa. Quanto aos pareceres de especialistas, embora possam ter alguma pertinência, são deslocados da pessoa em questão. As medidas curativas, aos que sofrem pela estupidez do ato, são imprescindíveis. Mas tudo isso tem um lugar de coadjuvante.O papel principal é o da Segurança Pública, e consequentemente o tema central torna-se o desarmamento.
O autor do crime é, ao que nos parece, alguém muito adoecido em sua estrutura, possivelmente, psicótica, um louco, enfim. No entanto, a questão maior que se estabelece, é que essa pessoa estava portando uma arma. A arma que porta o louco vem primeiro do que o louco que porta a arma. Portanto  o problema que o Estado acolhe, em primeiro lugar, torna-se de Segurança Pública e en passant de Saúde Mental.  
O desarmamento deve ser comentado nesse caso, mas não em detrimento de uma questão GRITANTE. Há reflexos contundentes para o silêncio, quase total, do governo em relação a práticas públicas, no âmbito da Saúde Mental, no Brasil. Esse caso fala em nome desse silêncio. A Saúde Mental não pode ficar em Realengo. Isto é, como diz o significado da palavra realengo: no desamparo, ao "deus-dará".   
Nesses tempos de "tropa de elite" há uma necessidade imensa de condecorar policiais heróis. Ótimo que eles estavam em Realengo para coibir as ações do louco! Mas quase ninguém parece interessado em saber mais e em fazer mais pelo loucura no Brasil.  É mais fácil exibir o assassino como um monstro, e o louco fica assim com essa cara "global"! 

Numa tentativa de encará-lo de outra forma, relembro que  Michel Foucault comenta longamente a relação entre saúde mental e medidas punitivas, no âmbito jurídico, como a pena de morte, no Caso Pierre Rivière. O psiquiatra Jacques  Marie Émile Lacan torna-se o psicanalista Jacques Lacan ao escrever sua tese sobre a psicose, a partir de um ato criminoso de "Aimée". Lacan também se interessa pela loucura a partir de um outro caso judiciário, o crime cometido pelas Irmãs Papin.
Penso agora que nem Pierre Rivière, nem Aimée, tampouco as Irmãs Papin portavam arma de fogo quando cometeram crimes hediondos, invocando a Sociologia e a Psicanálise a produzirem estudos fundamentais sobre a psicose e a saúde mental...

por Patrícia Pinheiro

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