terça-feira, 26 de abril de 2011

O Nome-do-Pai em TOTEM E TABU

Freud, S (1996). Totem e tabu. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, vol XIII (Trabalho original publicado em 1913[1912])

EM NOME DO PAI
O totem nada mais é que o representante do pai ( p. 176)

O sacrifício de Isaac por Marc Chagall, 1966

O sistema totêmico dos aborígines australianos é a referência utilizada por Freud para estabelecer uma relação entre a psicologia dos neuróticos e a psicologia dos povos primitivos. O totem normalmente é um animal inofensivo e comestível que mantém uma relação peculiar com todo o clã totêmico (p.21). Esse animal representa o clã, que o venera, resgardando-o da morte e homenageando-o em festas tribais, nas quais muitos se vestem tal e qual esse símbolo totêmico. Há entre os membros do clã uma forte ligação que os unem em detrimento dos laços sanguíneos. É assim que se observa o horror ao incesto, expresso pela exogamia totêmica, que é a proibição relativa aos membros do clã de manterem relações sexuais entre si. Eis as duas leis básicas do totemismo, ou seja, seus dois tabus são: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto, ao que Freud enuncia como os mais antigos e poderosos dos desejos humanos (p. 52). Quanto aos desejos incestuosos, Freud os indica como uma característica infantil, representada no complexo nuclear das neuroses, o que mais adiante no texto, ao falar do Caso Hans, e ao longo de sua obra, ele vai denominar de Complexo de Édipo.  Ainda neste texto Freud denomina de complexo-pai uma ambivalência muito grande em relação ao primeiro tabu, qual seja a que se relaciona à refeição totêmica e às suas origens. É que na horda primitiva, descrita por Darwin, o animal totêmico a quem era proibido matar, em algumas celebrações era traçado numa refeição totêmica de incorporação, cujo desfecho é um ritual de luto, lamentação e pranto pelo animal morto. Mas de onde viria essa expiação e culpa por devorar, em uma cerimônia tribal, o animal totêmico?
Para além do totem: a função do nome próprio[1]
A partir da análise do sistema totêmico, particularmente dos estudos de William Robertson Smith[2], da reunião da interpretação psicanalítica do totem  com a refeição totêmica  e com as teorias darwinianas do estado primitivo da sociedade humana, Freud propôs uma hipótese fantástica  das origens da celebração da refeição totêmica. Eis: o assassinato do pai violento e ciumento da horda primitiva, que possuía todas as mulheres, expulsando os filhos à medida que cresciam. O pai primevo era temido e invejado por esses filhos, que retornam juntos à horda, de onde foram expulsos, com o objetivo de assassinar o pai e devorá-lo, num banquete totêmico. A culpa pelo assassinato do pai amado e odiado leva ao arrependimento e a uma dívida para com o pai. O pai morto tornou-se mais forte do que fora vivo ( p. 171). O que até então era interditado pela existência real do pai passa a ser proibido pelos próprios filhos, a partir de um pacto entre eles. Com o mito da horda primitiva Freud lança luz acerca das neuroses ao estabelecer um elo entre Lei e desejo. A Lei vem coibir dois tabus, dois desejos cruciais para toda humanidade: assassinato do pai e incesto, sobretudo com a mãe. Essa Lei é referendada por Lacan (1957-1958/1999)[3] como o Nome-do-Pai ou função paterna.  Quando Freud anuncia o totem como representante do pai, ele estabelece aquilo que Lacan começa a definir como o pai enquanto função. Para assim o fazê-lo Lacan (1963/2005)[4] estabelece a noção do sujeito anterior à questão. Diz: miticamente – e é o que quer dizer mítica mente – o pai só pode ser um animal. O pai primordial é o pai anterior ao interdito do incesto, anterior ao surgimento da Lei, da ordem das estruturas da aliança e do parentesco, em suma, anterior ao surgimento da cultura. Eis porque Freud faz dele o chefe da horda, cuja satisfação, de acordo com o mito animal, é irrefreável (idem, p. 73).  Segundo Freud, o sistema totêmico foi, por assim dizer, um pacto com o pai, no qual este lhe prometia tudo o que uma imaginação infantil pode esperar de um pai – proteção, cuidado e indulgência – enquanto que, por seu lado, comprometiam-se lhe respeitar a vida, isto é, não repetir o ato que causara a destruição do pai real (p.173). Os membros do clã reforçam assim os laços de identidade entre eles. O pai é, portanto, a expressão de uma falta (o pai morto) e é esta falta que instaura a cultura, a moralidade e a religião. É por isso que Lacan (1957-1958/1999)[5] fala em Nome-do-Pai, um significante, um nome para um vazio, uma falta. O pai, assim, não tem nome próprio, é antes uma função de ligar, por exemplo, significante e significado, Lei e desejo[6]. O Nome-do-Pai barra o acesso ao gozo absoluto e institui uma lei: a lei da interdição do incesto. A dívida para com o pai será, então, honrada mediante o culto rendido à instituição simbólica da proibição do incesto e será transmitida de geração em geração. Ou seja, o que deverá ser transmitido é a lei do desejo, da interdição do incesto e da castração, o que para os sujeitos neuróticos se faz através da trajetória edípica, que lhes possibilita encontrar seu lugar na partilha dos sexos e na ordem geracional. Freud questiona: quais são as maneiras e meios empregados por determinada geração para transmitir seus estados mentais à geração seguinte? ( p.187), para em seguida citar Goethe: Aquilo que herdaste de teus pais conquista-o para fazê-lo teu ( p. 188). Mas não só em Totem e Tabu, como em toda extensão da obra freudiana, as versões do pai indicam que sua função está sempre ligada à noção de lei e à transmissão dessa lei para as gerações vindouras.


[1] Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  
[2] Físico e filósofo, crítico da Bíblia e arqueólogo, falecido em 1894  (Freud,1913/1976, p. 160).
[3] Lacan, J. (1999) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (trabalho original de 1957/1958).
[4] Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  

[5] Lacan, J. (1999) O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (trabalho original de 1957/1958).
 
[6] O pai como função de acordo com Jacques-Alain Miller, 2005, na contra-capa de Lacan, J. (2005) Nomes-do-Pai. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (trabalho original de 1953 e 1963)  


por Patrícia Pinheiro

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